domingo, 30 de setembro de 2012

Labirinto

O túnel era longo. Adiante tremulava uma luz a indicar o caminho. Ele então entrou por aquele corredor. Seguiu sem medo. Quando deu por si já estava perdido.
A luz cor de mel que brilhava, convidativa e repleta de esperanças tal qual um doce olhar, não era para lhe orientar... Serviria e serviu, sim, para desnortear.
O corredor que se mostrava como um rumo a ser tomado, logo acabou se revelando como um labirinto.
Ele caminhou atarantado por aqueles corredores sem fim.
Deu cabeçadas nas paredes.
Andou às escuras.
Por vezes - tantas delas - parou e quis chorar, desistir, sentar-se e deixar o tempo passar até acabar... Imaginava-se definitivamente sem rumo. Pensava que jamais conseguiria sair daquela imensidão de túneis.
Aí então, de repente, não mais do que de repente, percebeu que não precisava mais daquilo.
Percebeu que sair daquele labirinto só dependia dele mesmo, da sua própria vontade.
E foi aí que uma luz brilhou acima de tudo e mostrou que existia sim, uma saída.
E para lá ele seguiu.
Esse sim era o verdadeiro caminho.
Saiu.
Foi a sua redenção.
Foi o seu recomeço.
Olhou para trás somente para puxar a porta, trancá-la e jogar a chave (quebrada) fora, para que não houvesse o risco de tornar àquele labirinto.

P.S. Eis aquilo que brotou de uma conversa com Rê. Situações e sensações múltiplas e mútuas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Crônica de um ano

- Volte em um ano -, disse Ela.
Dispensou-o com a mesma naturalidade com que se fala a um vendedor que oferece um produto corriqueiro à porta.
Ele ainda tentou argumentar, explicar, quis ficar, mas ela não arredou pé de suas convicções.
- Você é a pessoa certa, mas na hora errada -, citou um chavão como se fosse uma frase tão elaborada como a primeira vez que Shakespeare colocou na boca de Hamlet: To be or not to be, that´s the question.
Ela tinha lá dentro de si a sensação de que ele de fato era a pessoa que ela há tanto esperara.
Ele sabia ouvi-la, compreendê-la, tinha paciência e despertava nela sensações jamais sentidas antes.
Mas ainda assim preferia deixar que ele fosse embora.
Afinal ela tinha coisas a fazer, viagens para curtir e situações para viver.
Ela havia definido um cronograma de realizações e não seria um "cara certo" qualquer que a iria atrapalhar.
Pensava consigo mesma que tinha perdido muita coisa na vida até ali e que precisava recuperar todo o tempo perdido.
Mas não passava pela sua cabeça que muitas coisas interessantes poderia viver ao lado dele.
Ela se apegou simplesmente a tudo o que poderia haver de ruim ou dar errado, e em nenhum momento pensou nas coisas boas ou certas.
Sem se preocupar com o peso que o pedido poderia provocar nele, reafirmou:
- Volte em um ano!
Ele, constante, sem entender bem os altos e baixos dela, decidiu por fim acatar o pedido.
Esfriou, desanimou, desiludiu-se.
Manteve proximidade durante certo tempo.
Foi difícil aquele tempo de incertezas e, porquê não, amargura.
Não conseguia ser apenas amigo. As lembranças dos beijos, dos abraços e dos olhos brilhantes abrindo de manhã no travesseiro ao lado atormentavam-no. Aquilo tudo doía fisicamente, como ferida aberta à flor da pele.
Estava demasiado machucado após ter feito a escolha, lá atrás, por trilhar por um caminho sem volta.
E assim, acabou por se distanciar.
Foi se tornando menos presente.
A via cada vez menos.
Falava com ela cada vez menos.
Buscava ou dava notícias cada vez menos.
E o processo seguiu assim.
Antes chovia, depois chuviscou, acabou pingando e, por fim, secou.
Ele se calou, apagou-se.
Um inverno antártico caiu sobre eles.
Os dias sem ela foram difíceis.
Tantos momentos únicos, tantos sorrisos, tantas lembranças boas, tantas situações inusitadas.
Ele pensava que não conseguiria se recuperar ou esquecê-la.
Afinal de contas, aquele clique fora do normal que teve ao vê-la chegando numa noite de lua cheia ainda o lembrava de vez em quando que talvez ela fosse a mulher da sua vida. Mas não adiantaria nada se ele não fosse o homem da dela. E, pensava ele, se de fato ele fosse tão importante, ela jamais o teria mandado ir embora e esperar longe. Afinal, ele mesmo não faria isso com ela.
Dia após dia, o tempo foi se arrastando.
Ele jogou fora o calendário, onde não ousara marcar nenhuma data futura para voltar a ela.
Dela não soube mais muita coisa.
Não sabia se ela tinha sido feliz na busca pelos momentos que não vivera e que buscava. Não sabia se ela tinha atingido os seus objetivos traçados para 365 dias futuros.
Desinteressou-se. Desligou-se. Ainda que não tenha esquecido. Mas era necessário ser assim. Ela determinou esse fim.
Ele caminhou para longe.
Seguiu em frente.
Ele não iria voltar a ela para ouvir novamente um novo pedido de tempo:
- Me dê mais um ano.
No caminho por ele trilhado aconteceu muita coisa. Ele conheceu novas mulheres, provou novos corpos, viveu novas paixões.
Ele não a havia esquecido, mas escolheu não voltar.
Preferiu se entregar a uma mulher que jamais havia pedido para que ele saísse e voltasse depois.
E sobre ela, aquela que havia pedido que ele voltasse depois?
Ela foi se apagando. As lembranças foram amarelando, secando, se perdendo. Folhas caídas de uma árvore morta.

***

Numa certa noite em algum lugar qualquer, ela sente o vento tocar seu rosto e sorri com os olhos de uma maneira que só ela sabe. Olha o céu e vê a lua cheia clareando os arredores. Sente um cheiro, ouve uma voz e uma melodia que fazem lembrar dele. Todas as lembranças voltam de uma só vez. Lembra-se do rosto, do calor e dos sussurros ao pé do ouvido. Arrepia-se. Sente um nó no peito e se vira para ver se ele se aproxima, voltando, um ano depois. Afinal ela havia combinado isso. Mas só vê a sombra, o vazio e o silêncio. Uma nuvem cobre os seus olhos. Parece que vai chover dentro dela. Seu sorriso se esvai como fumaça ao vento. Ela suspira fundo e uma dor aguda atravessa o seu peito.
Ali, sentada naquele lugar e sem ter conseguido encontrar ninguém mais que a completasse como ele fez em tão pouco tempo, ela tem a constatação fria de que, há um ano, mandou embora aquele que seria o homem da sua vida por um simples capricho.
Ela não tem forças e sequer coragem para procurá-lo e, infelizmente, tem a cruel certeza de que ele não voltará.
E sabe aquela felicidade que ela buscava ao mandá-lo ir embora?
Pois bem, hoje ela sabe que não passava de uma efemeridade e que esse foi um dos grandes erros da sua vida.
E o tempo que ela precisava, esse não passou de tempo perdido.