terça-feira, 23 de outubro de 2012

Cinzas

O braseiro há muito permanecia intocado. O aspecto era de tranquilidade e paz. Não havia nenhum crepitar ou mesmo sinal de fumaça.
O tempo passara. Bastante.
O furor das chamas era apenas lembrança.
E a memória do calor não é suficiente para afastar o frio. Nunca foi.
O fogo consumira tudo o que foi possível.
O homem se aproximou e observou aquele ambiente de calmaria.
Dali ainda sairia alguma coisa?
Ele pensou que não.
E resolveu remexer as cinzas.
Uma centelha permanecia intacta lá embaixo.
Ameaçou reviver.
"Mas será?"
E ele resolveu alimentar a faísca quase esquecida no tempo passado.
Brilhou, esquentou, fulgurou.
Saltou à vida e reacendeu.
Agora crepita e consome novamente, sem pressa, mas com calor tamanho que chega a incomodar.
Ele se senta a observar o fogo vivo.
Sem sequer evocar a alegoria da fênix, ele carrega agora consigo a certeza de que algumas cinzas não devem ser remexidas.

domingo, 30 de setembro de 2012

Labirinto

O túnel era longo. Adiante tremulava uma luz a indicar o caminho. Ele então entrou por aquele corredor. Seguiu sem medo. Quando deu por si já estava perdido.
A luz cor de mel que brilhava, convidativa e repleta de esperanças tal qual um doce olhar, não era para lhe orientar... Serviria e serviu, sim, para desnortear.
O corredor que se mostrava como um rumo a ser tomado, logo acabou se revelando como um labirinto.
Ele caminhou atarantado por aqueles corredores sem fim.
Deu cabeçadas nas paredes.
Andou às escuras.
Por vezes - tantas delas - parou e quis chorar, desistir, sentar-se e deixar o tempo passar até acabar... Imaginava-se definitivamente sem rumo. Pensava que jamais conseguiria sair daquela imensidão de túneis.
Aí então, de repente, não mais do que de repente, percebeu que não precisava mais daquilo.
Percebeu que sair daquele labirinto só dependia dele mesmo, da sua própria vontade.
E foi aí que uma luz brilhou acima de tudo e mostrou que existia sim, uma saída.
E para lá ele seguiu.
Esse sim era o verdadeiro caminho.
Saiu.
Foi a sua redenção.
Foi o seu recomeço.
Olhou para trás somente para puxar a porta, trancá-la e jogar a chave (quebrada) fora, para que não houvesse o risco de tornar àquele labirinto.

P.S. Eis aquilo que brotou de uma conversa com Rê. Situações e sensações múltiplas e mútuas.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Crônica de um ano

- Volte em um ano -, disse Ela.
Dispensou-o com a mesma naturalidade com que se fala a um vendedor que oferece um produto corriqueiro à porta.
Ele ainda tentou argumentar, explicar, quis ficar, mas ela não arredou pé de suas convicções.
- Você é a pessoa certa, mas na hora errada -, citou um chavão como se fosse uma frase tão elaborada como a primeira vez que Shakespeare colocou na boca de Hamlet: To be or not to be, that´s the question.
Ela tinha lá dentro de si a sensação de que ele de fato era a pessoa que ela há tanto esperara.
Ele sabia ouvi-la, compreendê-la, tinha paciência e despertava nela sensações jamais sentidas antes.
Mas ainda assim preferia deixar que ele fosse embora.
Afinal ela tinha coisas a fazer, viagens para curtir e situações para viver.
Ela havia definido um cronograma de realizações e não seria um "cara certo" qualquer que a iria atrapalhar.
Pensava consigo mesma que tinha perdido muita coisa na vida até ali e que precisava recuperar todo o tempo perdido.
Mas não passava pela sua cabeça que muitas coisas interessantes poderia viver ao lado dele.
Ela se apegou simplesmente a tudo o que poderia haver de ruim ou dar errado, e em nenhum momento pensou nas coisas boas ou certas.
Sem se preocupar com o peso que o pedido poderia provocar nele, reafirmou:
- Volte em um ano!
Ele, constante, sem entender bem os altos e baixos dela, decidiu por fim acatar o pedido.
Esfriou, desanimou, desiludiu-se.
Manteve proximidade durante certo tempo.
Foi difícil aquele tempo de incertezas e, porquê não, amargura.
Não conseguia ser apenas amigo. As lembranças dos beijos, dos abraços e dos olhos brilhantes abrindo de manhã no travesseiro ao lado atormentavam-no. Aquilo tudo doía fisicamente, como ferida aberta à flor da pele.
Estava demasiado machucado após ter feito a escolha, lá atrás, por trilhar por um caminho sem volta.
E assim, acabou por se distanciar.
Foi se tornando menos presente.
A via cada vez menos.
Falava com ela cada vez menos.
Buscava ou dava notícias cada vez menos.
E o processo seguiu assim.
Antes chovia, depois chuviscou, acabou pingando e, por fim, secou.
Ele se calou, apagou-se.
Um inverno antártico caiu sobre eles.
Os dias sem ela foram difíceis.
Tantos momentos únicos, tantos sorrisos, tantas lembranças boas, tantas situações inusitadas.
Ele pensava que não conseguiria se recuperar ou esquecê-la.
Afinal de contas, aquele clique fora do normal que teve ao vê-la chegando numa noite de lua cheia ainda o lembrava de vez em quando que talvez ela fosse a mulher da sua vida. Mas não adiantaria nada se ele não fosse o homem da dela. E, pensava ele, se de fato ele fosse tão importante, ela jamais o teria mandado ir embora e esperar longe. Afinal, ele mesmo não faria isso com ela.
Dia após dia, o tempo foi se arrastando.
Ele jogou fora o calendário, onde não ousara marcar nenhuma data futura para voltar a ela.
Dela não soube mais muita coisa.
Não sabia se ela tinha sido feliz na busca pelos momentos que não vivera e que buscava. Não sabia se ela tinha atingido os seus objetivos traçados para 365 dias futuros.
Desinteressou-se. Desligou-se. Ainda que não tenha esquecido. Mas era necessário ser assim. Ela determinou esse fim.
Ele caminhou para longe.
Seguiu em frente.
Ele não iria voltar a ela para ouvir novamente um novo pedido de tempo:
- Me dê mais um ano.
No caminho por ele trilhado aconteceu muita coisa. Ele conheceu novas mulheres, provou novos corpos, viveu novas paixões.
Ele não a havia esquecido, mas escolheu não voltar.
Preferiu se entregar a uma mulher que jamais havia pedido para que ele saísse e voltasse depois.
E sobre ela, aquela que havia pedido que ele voltasse depois?
Ela foi se apagando. As lembranças foram amarelando, secando, se perdendo. Folhas caídas de uma árvore morta.

***

Numa certa noite em algum lugar qualquer, ela sente o vento tocar seu rosto e sorri com os olhos de uma maneira que só ela sabe. Olha o céu e vê a lua cheia clareando os arredores. Sente um cheiro, ouve uma voz e uma melodia que fazem lembrar dele. Todas as lembranças voltam de uma só vez. Lembra-se do rosto, do calor e dos sussurros ao pé do ouvido. Arrepia-se. Sente um nó no peito e se vira para ver se ele se aproxima, voltando, um ano depois. Afinal ela havia combinado isso. Mas só vê a sombra, o vazio e o silêncio. Uma nuvem cobre os seus olhos. Parece que vai chover dentro dela. Seu sorriso se esvai como fumaça ao vento. Ela suspira fundo e uma dor aguda atravessa o seu peito.
Ali, sentada naquele lugar e sem ter conseguido encontrar ninguém mais que a completasse como ele fez em tão pouco tempo, ela tem a constatação fria de que, há um ano, mandou embora aquele que seria o homem da sua vida por um simples capricho.
Ela não tem forças e sequer coragem para procurá-lo e, infelizmente, tem a cruel certeza de que ele não voltará.
E sabe aquela felicidade que ela buscava ao mandá-lo ir embora?
Pois bem, hoje ela sabe que não passava de uma efemeridade e que esse foi um dos grandes erros da sua vida.
E o tempo que ela precisava, esse não passou de tempo perdido.

domingo, 8 de julho de 2012

Guardador dos segredos


Onde os outros vêem palavras soltas e sem sentido, eu enxergo frases feitas e elaboradas.
O que parece ser mistério total à audiência geral, a mim não passam de histórias claras, explícitas.
As entrelinhas que você teima em esconder na penumbra, saltam à luz viva diante dos meus olhos.
Para muita gente você pode escrever num idioma desconhecido, mas eu consigo traduzi-lo na minha própria língua.
Você fala em terceiras pessoas como se estivessem em reinos ficcionais.
Mas entendo claramente que há um pouco de você mesma e de suas próprias histórias nas suas personagens.
Não são casos ao acaso.
Não por acaso são seus próprios casos.
Não são desconhecidas pessoas, é você a falar de e para si mesma.
E nem preciso conhecer nomes, rostos e situações para entender o que você conta.
Não preciso imaginar.
Apenas sinto.
Mas tornarei às suas palavras...
Atingirão elas os olhos certos a ponto de provocar neles o entendimento mínimo?
Isso não sei dizer.
Nesse sentido, sei apenas de mim.
E, sendo assim, lhe compreendo.
Mas não é isso que lhe basta.
Não sou o destino final dos seus escritos.
E eles não são simplesmente para satisfazer a sua própria sede.
Afinal qual o escritor escreve apenas para si e não para outros lerem?
Não creio que exista.
E você não será a pioneira nesse caminho.
Sabe?
Você fala de amor.
Você exala amor.
Dispõe sobre corridas, tropeços, tombos e desilusões.
Há mais olhares tristes do que gargalhadas estridentes em suas letras.
E será assim enquanto não houver aquela história definitiva e feliz.
É.
E vai continuar a expôr suas fragilidades, preocupações e decepções até que surja a hora certa.
É a sina.
É o sentimento (entenda como amor) que nos move (a todos nós seres humanos).
É também o sentimento que a move.
Não adianta fugir.
Não adianta tentar esconder.
Não de mim.
"Há no ar cheiro de sentimentalismos amarelecidos pelo tempo. A seca no Cerrado piora tudo. Vira cinza. Espero que passe e que a cor volte."
E não tema, menina do castelo.
Seu segredo está bem guardado comigo.
Sou o guardador dos seus segredos.
E assim será.

quinta-feira, 21 de junho de 2012

O detalhe

- Venha. Vamos dialogar.
O convite nem era pretensioso. E também assim não soava.
- Afinal o quê uma mulher procura em um homem? - disse-lhe ele.
Quais seriam as qualidades que as mulheres (sob a ótica dela) esperavam do sexo oposto? Era isso o que ele queria ouvir dela. Sendo ela uma mulher quase ideal, sua opinião poderia decifrar o tortuoso caminho que leva ao coração feminino.
E veio, dessa vez nem em entrelinhas mas sim exposta nas linhas, a fórmula. A julgar pela definição daquela mente rara, há mais homens ideais do que folhas numa árvore.
Maturidade representaria 80%. Os 20% restantes traziam ingredientes como bom humor, inteligência, educação, gentileza e atitude. Nem precisa ser belo e muito menos rico.
Simples assim.
Qualidades que nem chegam a ser dificilmente encontradas.
- Eu próprio talvez as tenha em sua maioria -, pensou ele.
Seria então ele o homem que ela esperava?
Seria ele então aquele que ela procurava?
Seria ele então o homem ideal dela?
Será? Seria?
Mas (sempre existe esse mas)... Existe o detalhe.
E é justamente o detalhe que desmantela um sonho.
E leva a bater com o rosto na dura e fria realidade.
É como um castelo com 999 cartas colocadas aguardando a milésima para completar a obra. Daí naquela última carta surge um detalhe: a mão tremula por um segundo. Todo o castelo vem abaixo. E por um só detalhe.
Vale uma frase feita: um detalhe pode fazer toda a diferença.
E faz.
"Química". Está aí a definição que acaba por esmaecer as qualidades descritas anteriormente.
Não bastará apenas o homem ter todas aquelas qualidades se não houver a malfadada "química" (não aquela dos livros de escola e sim uma muito mais difícil de ser entendida e definida).
Desalentado, ele entende que a sua busca pela resposta ainda não chegou ao fim.
O que fará?
Continuará mantendo consigo as qualidades e seguirá em frente. Torce ele para estar atento ao momento em que surgir no seu caminho a mulher que valorize as tais qualidades e que, além disso, tenha química com ele.
Encontrará?
Não sabe. Por enquanto anda muito às voltas com as interrogações em torno de uma simples palavra: química.

A menina na torre


Era como no conto de fadas. A alegoria do (auto?) confinamento.
Ela também tinha no nome o R, mas não era Rapunzel. Não tinha as mesmas longas tranças da conhecida personagem, mas com ela dividia a sensação de viver trancada numa alta torre. Isolada do mundo, acima de tudo. Via tudo e a todos, mas não podia ser igualmente e totalmente vista. Sentia-se como intocável, inalcançável.
Ainda que talvez o fosse por própria escolha, isso a incomodava sobremaneira.
Como não conseguiam enxergá-la de fato, compreendê-la, se tão simples ela se considerava? Porquê será que nenhum príncipe (encantado ou não) ainda não tinha se dignado de fato a ir resgatá-la? Não valeria ela um esforço sequer, afinal?
Das vezes que aparecia na janela podia ser vista, radiante como estrela. Elogios então ouvia vindos ao sopro do vento. "A mais bela"... "A mais encantadora"... "A mulher dos sonhos"... Mas nenhum deles vinha revestido de atitude prática ou de alguma menção corajosa de tirá-la daquele isolamento.
Do alto da torre ela refletia. Mas será que esse príncipe existiria?
Dias e noites de sucediam. A lua de fase a fase seguia: nova, crescente, cheia, minguante, nova... E nada daquela espera findar.
Por fim ela própria entendeu que não bastaria apenas esperar. Era preciso ela própria agir. Se descalçou de seus sapatos de cristal, se despiu de seu vestido de princesa. Arrombou a porta da torre. Colocou o pé no primeiro degrau da escadaria. Era preciso descer. E desceu.
O mundo lá embaixo era diferente do visto de cima. As pessoas eram muito mais humanas, sujeitas ao erro e imperfeitas. Mas pelo menos não eram idealizadas. Eram reais. Eram tocáveis e podiam tocá-la.
Belos príncipes apareceram diante de si lhe oferecendo as mais lindas coisas, os mais ricos presentes. Encantavam-se com seu rosto luminoso. Queriam-na. Ela seria a sua posse. Mas isso à princesa não bastava. Ela queria ser ouvida. Compreendida. Desvendada. Mas a ninguem isso interessava.
Não que ela fosse assim tão exigente, mas para ela não bastava apenas a sensação da pele, é preciso o toque da alma.
Desconsolada, a menina saiu pela estrada. Em uma curva do caminho ela encontrou um viajante a falar ao léu. Seria louco? Parecia e não.
Era dali mesmo, mas parecia vir de longe. Contou histórias de outras paragens, de outros mundos, de outras vidas por tantos vividas. Encantou-a pelo modo de falar.
Mas não foi somente assim.
Mais do que isso, o viajante se interessou pelo que ela tinha a contar. Alimentou-se do que ela tinha a dizer. Compreendeu suas aflições, seus temores e suas frustrações.
O quase estranho desvendou-a como poucos o tinham feito até então. E era ele tão simples e comum.
Ele conseguiu enxergá-la em sua essência. Viu-a além dos olhos comuns.
E a menina ficou confusa desde então.
Permitiria-se dar mais um passo naquele caminho?
Ou sentir-se tão desvendada acabaria sendo-lhe um risco demasiado?
A menina ficou sem reação.
Será que teria de voltar mais uma vez à torre e fechá-la em torno de si?
Enquanto a resposta não lhe vinha, ela se deixou ficar observando o horizonte lânguido do entardecer.

P.S. Dias depois e a dúvida ainda continua a lhe esvoaçar os sentidos.

(Original de 4 de junho de 2012)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Crônica de uma morte anunciada



Em certo sentido, mulher, você ainda está por aí.
Não é sempre, mas as impressões são traiçoeiras.
Ecoam passos. A voz melodiosa sussurra pelo vazio da casa. O mesmo cheiro doce vez ou outra parece aparecer no ar. E a melodia de alguma música que nos marcou traz algum lampejo do que já fomos: o meu eu em você e o seu eu em mim.
Mas são apenas aquelas lembranças mais teimosas que me traem quando menos espero.
Sua presença física já se foi, há muito.
Não há mais rastros meus ou seus no caminho.
Já se sucederam incontáveis minutos, horas, dias, semanas e meses (talvez anos?) desde que nos distanciamos sem sequer justificar ou traduzir o real significado da palavra adeus.
Nem eu o fiz.
Nem você, tampouco.
Nada mais de fotos sorridentes ou pensativas, fios longos de cabelo espalhados e quaisquer objetos que remetam a você.
O tempo vai se encarregando de apagar os vestígios e atenuar os traços do desenho um dia riscado nas páginas da minha vida.
Foi assim com uma, com outra e com você mesma.
Tudo se foi.
Tudo passou.
As folhas foram caindo da árvore e acabaram sendo substituídas por outras folhas. Novas.
Antes as lembranças eram mais frequentes. Vinham minuto a minuto, dia a dia e agora não têm mais regularidade. Deixaram de ser crônicas.
E, pior ainda, suas lembranças passaram a se misturar com outras lembranças mais antigas e mais novas.
Assim, hoje, quando ouço passos ecoarem, vozes sussurrarem, odores acariciarem o meu nariz e músicas tocarem, não sei mais se são seus passos, sua voz, seu cheiro e nossas músicas.
Pode ser, na verdade, minha memória me traindo e me fazendo atribuir a você o que não era seu.
E assim, afinal, terá existido você de fato?
Terá sido real ou ilusão virtual?

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O encontro

A confrontação descarnada com a realidade nem sempre ocorre sem impressões desmentidas, verdades imaginadas atiradas ao solo como frágeis paredes de castelos de areia no abraço da onda. Certezas outrora tão certas podem se vestir em longos mantos de interrogações plenas. A pessoa que demonstrava ser, pode se revelar mero personagem de frágil ficção, arremedo de si mesma ou de uma terceira figura, talvez inventada, imaginária. Todavia, eis que assim dessa vez não foi. Ela estava bem ali do lado como representação fiel daquilo que demonstrava ser e da impressão que passava. Movia-se com graça, parecia ter os movimentos calculados como num balé marcado com antecedência. Mas, incrivelmente, era natural. Falava, sorria candidamente e seu olhar, sem medo de ser tímido, de vez em quando brilhava. Era a cópia perfeita de si mesma (aquela do mundo virtual) e saltava aos olhos com os mesmos traços com os quais, inesperadamente, visitava os sonhos dele. Por mais que saiba interpretar, ela ali não interpretava e se fosse personagem, seria personagem representando ela própria. A sua presença traduzia-se, se preciso fosse, como metalinguagem. Ela era ela mesma representando para ele a sua própria história. Era aquela mesma que escrevia e que se descrevia. A mesma que se abria sem medos, se desnudava através das letras e que, justamente por assim ser, mais misteriosa se tornava. Linhas, nada tortas, e entrelinhas, expostas. Ele piscava, desviava o olhar e, disfarçadamente, se beliscava para saber se aquele novamente não seria um sonho. Dessa vez não foi. Era a realidade mais interessante ainda do que as coisas virtuais. E, justamente por tão interessante ser, as horas se passaram como se frações de segundos fossem. A tarde caiu com um cheiro tênue de terra molhada. O sol foi embora clarear terras cada vez mais a oeste. "Precisamos ir", a voz dela decretou parte da quebra de um encanto. Quando ela partiu, graciosamente deixou atrás de si um rastro de sensações. Simples, suave, agradável e ímpar como uma noite de lua cheia em junho... Lua, aliás, que naquele mesmo instante começava a dar o seu tom no horizonte à leste. Por um novo instante a imagem daquele rosto perpassou sua lembrança. E um arrepio bom arranhou o seu estômago exatamente quando ele refletia sobre superfícies rasas e mergulhos profundos. "Ah, se me fosse permitido mergulhar..." Ele sorriu, respirou longamente e seguiu adiante enquanto o luar acariava o seu rosto. Eis que assim foi.

segunda-feira, 21 de maio de 2012

De saída...

Saiu como havia chegado. Não avisou. Não mandou sinal de alerta. Simplesmente se foi. Nem o trabalho de fechar a porta teve. Não porque pretendesse um dia voltar. Simplesmente não fechou porque lhe faltou interesse até para isso. Deixou para trás o vazio, o frio e o silêncio. Isso para não falar das interrogações várias. Os motivos para que ela se fosse ainda estão por serem descobertos. Permanecem escondidos nas sombras. Espreitam em cantos escuros, mudos. São mistérios que talvez não se revelem em dia algum. São criaturas a temer a luz. Indecifráveis tendem a permanecer. Ele ainda pensa nela. Ele ainda se lembra das palavras. Ele ainda ouve o som da voz. Ele ainda se arrepia ao escutar algumas melodias. Melodias essas daquelas músicas. As músicas. Mas, após caminhar cegamente em passo trôpego em campo minado, ele escolheu não se preocupar mais em saber se ela um dia irá voltar. Se ele se pegasse a se permitir pensar nessa volta, tantas dúvidas mais seriam as que se sucederiam. Voltará ela da mesma forma como uma dia chegou e no outro se foi? Trará ela uma desculpa daquelas qualquer, balbuciada num tom de confidência, quase de súplica? Aparecerá ela, voltando a ocupar espaço e continuando dia após dia como se nada tivesse acontecido? Ele não sabe. Não sabe de nada. Não sabe nem, na verdade, se ela existe de fato, em corpo e alma. Afinal, para ele, ela foi a mítica sereia que o encantou com o seu canto único.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Peso


Às vezes me dão um valor que eu próprio acho que não possuo.
Eu vejo o que as pessoas escrevem ou ouço o que dizem sobre mim e fico impressionado.
Sob a minha própria ótica não sou tudo o que pensam.
Nem pelo bem e nem pelo mal.
Se falam mal, não me importo tanto, mas quando falam bem acaba se tornando um incômodo.
Afinal se de fato pensam que tenho tanta capacidade ou se sou isso ou aquilo, isso me incomoda porque terei de provar que sou merecedor dessa avaliação.
É aí que as coisas se complicam.
Afinal nunca sou capaz de corresponder às minhas próprias expectativas.
Eu me cobro demais.
Sou exigente comigo mesmo.
E como não consigo corresponder plenamente, acabo me decepcionando.

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Reflexos

É tanta gente que tenta se enxergar nas minhas palavras que nem eu já tenho certeza se eu próprio sou refletido nelas.
É como se meus textos aqui fossem espelhos para a pessoa (se) encarar.
Tudo o que eu postar aflora à superfície como se fossem diretas ou indiretas a alguém.
Toda palavra que eu atiro ao ar é como flecha que precisa procurar um alvo ou carapuça à procura da cabeça ideal para se assentar.
Não posso escrever em tese.
Não posso fazer ficção.
Não posso simplesmente escrever por escrever.
O motivo para que eu escreva não pode ser simplesmente o desejo de escrever.
Preciso ter intenções ou vontades alheias ao ato em si de escrever.
A vida segue do avesso.
As coisas que eu mais nego são as que vão se tornando mais sólidas.
Contradições ditam as regras.
Assim, nem mais nego.
Apenas continuo a escrever.
Com motivos terceiros ou não.
Olhe no fundo do poço.
Veja a imagem presente.
É você própria refletida ou você é que seria o reflexo de alguém que está a olhe observar lá do outro lado?
Nunca é possível saber ao certo.
A vida tem lá seus mistérios.
E, para o nosso próprio bem, nem todos são desvendáveis.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

Microconto

Demorou para acordar. E, quando se deu conta, o sonho já tinha acabado há muito. E não havia mais tempo para voltar a sonhar. Assim, acabou.

terça-feira, 24 de janeiro de 2012

Rascunho perfeito

Pegue cada tijolo da construção feita com tanto cuidado e atire-o de lado.
Retire as bases de sustentação.
Fira mortalmente o alicerce.
Destrua parte a parte aquilo que deu tanto trabalho para fazer.
Esqueça todo o sangue, suor e lágrimas misturados àquela argamassa.
Não se importe se outras mãos lhe ajudaram na tarefa árdua.
Simplesmente siga em frente com a sua ânsia de destruição.
Apague cada ensinamento.
Apague cada sorriso.
Apague cada momento bom.
Apague cada lembrança.
Apague cada sonho de futuro.
Apague cada esperança.
Apague tudo o que aprendeu de bom.
Apague cada valor compartilhado e cultivado
Simplesmente siga em frente nessa sua ânsia de apagar o passado.
Faça tudo ao contrário do que é certo.
Faça tudo o que contraria o bom senso.
Faça tudo para magoar quem de fato se preocupa contigo.
Faça tudo para acabar com o que de mais belo e puro você possuía.
Siga em frente.
Torne-se uma pessoa ainda mais vazia.
Torne-se uma pessoa ainda mais fútil.
Torne-se uma pessoa ainda mais mesquinha.
Torne-se uma pessoa ainda mais oportunista.
Vá em frente.
Destrua.
Apague.
Erre.
Perca-se.
Deixe o tempo agir contra você.
Desfaça cada laço de coisa boa e de racionalidade que ainda lhe unia a uma justa causa.
Ignore cada rastro de lucidez da sua vida.
Viva o turbilhão.
Contemple o olho do furacão.
Pior do que ser cego de fato é ser aquele que escolhe não ver.
Pior do que ser surdo de fato é ser aquele que escolhe não ouvir.
Pior do que ser mudo de fato é ser aquele que escolhe se calar.
Seja então assim: pessoa cega, surda e muda por escolha.
Certa é a pessoa que aprende com os próprios erros.
Mais correta ainda é aquela que tenta reescrever uma história corrigindo os erros anteriores.
Mas aos orgulhosos que escolhem trilhar o caminho errado só para provar ao mundo que estavam certos, ainda que saibam que nunca estarão...
A estes só resta, cedo ou tarde, ver o resto dos escombros de sua torre desalicerçada desmoronar.
Daí então descobrirá, tarde demais, que o tempo não era seu aliado e sim seu pior inimigo.
Vá em frente.
Não olhe para trás.
Dê mais um passo e mergulhe no abismo.

domingo, 15 de janeiro de 2012

Música no ar


O destino lhe prega peças.
Não adianta esperar.
Não adianta sonhar.
Não adianta desejar que seja assim ou de outra forma.
As coisas acontecem sem que você tenha controle sobre elas.
É assim a vida.
O destino pode estar a lhe espreitar numa ligação em final de tarde de sábado.
Qual seria o motivo?
E a voz fala de certa música que exatamente naquele instante passava pela sua cabeça.
Dá um arrepio imediato que, longe causar frio, lhe faz suar.
"Afinal porque ela tem essa capacidade de me desconsertar à distância?", é a pergunta que fica no ar após o final da ligação.
Você tenta fugir do pensamento.
♫♪"Não quero mais ficar pensando em você... Eu tenho muito medo, medo de sofrer"♫♪
Mas há a música que se repete para você e fica no ar.
E os arrepios persistem.
Afinal de contas, porque você pensa nela e, mais misterioso ainda, porque ela própria pensa em você?
A pergunta ecoa, a resposta nunca vem.
Mas é fato que há muito você pensa nela mais do que devia.
Já não fala sobre isso, mas o fato é que não a esquece.
E, certos dias, quando o carro come os quilômetros se aproximando daquela cidade, é inevitável a lembrança.
"Será que um dia?...", é outra pergunta que se perde ao vento.
O sábado vai embora.
E você busca lembranças vivas dela...
Encontra o sorriso doce e o inconfundível jeito de olhar brilhando...
♫♪"Tô viajando há horas em sua fotografia... A noite está passando, está chegando o dia..."♫♪
A madrugada de domingo clareia.
Por fim você se entrega ao sono e mergulha no reino de Morfeu.
Algo se passa por lá.
Você acorda e ainda tem na boca as letras do nome dela, que lhe visitou.
O sonho ainda está vívido.
Mas você escolhe não falar sobre isso, ainda que saiba que isso vai lhe perseguir durante todo o dia.
Você tenta afastar os pensamentos.
Afinal, já tem pensado demais nela e é melhor não remexer as cinzas que imaginava estarem apagadas.
E você se cala para o mundo.
Senta-se debaixo de uma árvore qualquer e tenta se isolar.
Torce para que o silêncio prevaleça também internamente.
Mas o inesperado acontece.
E aparece em formato de uma mensagem de texto:
"Quero você sempre na minha vida, independente do resto. (:"
E, muito tempo depois, você ainda não consegue traduzir o que linhas e muito menos entrelinhas querem lhe dizer.
E prefere não pensar nisso.
Afinal está cansado de sofrer.
♫♪"Se eu me entregar eu vou chorar depois, há muito tempo eu não me entrego a um novo amor... O envolvimento vem com o tempo e o tempo pode machucar..."♫♪
O domingo vai chegando ao fim e você ainda não tem respostas.
Cansa-se de procurá-las.
Decide então que vai simplesmente viver.
Certas coisas a gente não deve contestar demais, deve simplesmente viver...
E assim segue o curso natural das coisas...

sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

A Sexta-Feira 13 em mim

Eu tenho um 13 tatuado no braço esquerdo.
Já ouvi todo tipo de pergunta a respeito da escolha de tal número.
Já me perguntaram se é porque eu sou petista; se é porque torço para o Treze de Campina Grande (PB); se é porque eu sou fã do Zagallo; se é porque eu me considero azarado; e até se é porque sou doido mesmo.
De todas essas opções a única que pode se encaixar é a última: loucura.
Mas nem tanto.
Vou tentar explicar.
Desde o meu nascimento esse número me persegue.
Primeiro porque nasci numa sexta-feira, 13 de fevereiro de 76.
Era um ano bissexto e nasci justamente no mês que torna o ano bissexto.
A soma dos dois numerais no ano que nasci: 7 e 6, dá justamente 13.
Também nasci às 10:30, que eliminando-se os zeros fica justamente 13.
De quebra a data caiu com a lua em plenilúnio (lua-cheia).
E existem outros pontos em comum.
Daí, em 2007, numa sexta-feira 13, quando decidi que iria tatuar o 13 no braço esquerdo.
Como testemunha levei a então namorada.
Eu penso que ela duvidou da minha coragem até que o tatuador Léo fez a primeira marca de tinta preta no meu braço.
O cara quis saber da história e eu contei. Ele arregalou os olhos, ficou boquiaberto.
"É bom fazer uma tatoo com motivos, com explicações...", comentou.
Depois de pronta a tatuagem fiquei satisfeito.
Hoje já a considero pequena, se fosse fazer novamente a tornaria maior.
Pois bem, dessa maneira o 13 é a minha marca registrada.
Tem gente que quando fica sabendo dos motivos, principalmente por eu ter nascido numa sexta 13, até se benze.
Mas tudo bem, não me considero sortudo ou azarado além do normal.
E outra, não tenho nenhuma predisposição para Jason, o fatídico personagem do Sexta-Feira 13, e nem para Zagallo.

P.S. O último filme da série Sexta-Feira 13 começou a ser exibido justamente no dia 13 de fevereiro de 2008, uma sexta-feira 13.
P.S.2 Na Festa da Fantasia de 2011 fui fantasiado de... Jason! Com direito a facão, máscara e machado! Mas não se preocupem, não fiz nenhuma vítima no local.

Observação: texto original postado em 29 de março de 2010. Republiquei, atualizado, aproveitando a data: sexta-feira 13 de janeiro de 2011.

sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Acabou



Pode ser fora do tempo ou despropositado, mas somente agora falo sobre a partida de 2011.
Pelas coisas ruins e pelo vazio que ele deixou na minha vida, confesso que nem deixa tanta saudade.
Conversando com uma amiga esses dias ela disse que o ano tinha passado com muita agilidade.
E de fato foi.
Se eu pudesse escolher, preferia tirar as coisas ruins desse ano e trazer para mim apenas as boas.
Mas os momentos ruins foram marcantes demais.
2011 foi um ano que registrou duas das piores perdas que tive na minha vida.
E, justamente por isso, poderia pensar em o esquecer.
Mas, nesse sentido, precisaria esquecer ainda as coisas boas.
De qualquer forma, nem tenho como apagar nada.
Dessa maneira continuo com a conta atual.
Vivi 2011 e agora chego a 2012.
Espero que esse ano seja melhor.
Da minha parte tentarei com que ele seja.
E que os bons anjos digam amem.