quinta-feira, 21 de junho de 2012

O detalhe

- Venha. Vamos dialogar.
O convite nem era pretensioso. E também assim não soava.
- Afinal o quê uma mulher procura em um homem? - disse-lhe ele.
Quais seriam as qualidades que as mulheres (sob a ótica dela) esperavam do sexo oposto? Era isso o que ele queria ouvir dela. Sendo ela uma mulher quase ideal, sua opinião poderia decifrar o tortuoso caminho que leva ao coração feminino.
E veio, dessa vez nem em entrelinhas mas sim exposta nas linhas, a fórmula. A julgar pela definição daquela mente rara, há mais homens ideais do que folhas numa árvore.
Maturidade representaria 80%. Os 20% restantes traziam ingredientes como bom humor, inteligência, educação, gentileza e atitude. Nem precisa ser belo e muito menos rico.
Simples assim.
Qualidades que nem chegam a ser dificilmente encontradas.
- Eu próprio talvez as tenha em sua maioria -, pensou ele.
Seria então ele o homem que ela esperava?
Seria ele então aquele que ela procurava?
Seria ele então o homem ideal dela?
Será? Seria?
Mas (sempre existe esse mas)... Existe o detalhe.
E é justamente o detalhe que desmantela um sonho.
E leva a bater com o rosto na dura e fria realidade.
É como um castelo com 999 cartas colocadas aguardando a milésima para completar a obra. Daí naquela última carta surge um detalhe: a mão tremula por um segundo. Todo o castelo vem abaixo. E por um só detalhe.
Vale uma frase feita: um detalhe pode fazer toda a diferença.
E faz.
"Química". Está aí a definição que acaba por esmaecer as qualidades descritas anteriormente.
Não bastará apenas o homem ter todas aquelas qualidades se não houver a malfadada "química" (não aquela dos livros de escola e sim uma muito mais difícil de ser entendida e definida).
Desalentado, ele entende que a sua busca pela resposta ainda não chegou ao fim.
O que fará?
Continuará mantendo consigo as qualidades e seguirá em frente. Torce ele para estar atento ao momento em que surgir no seu caminho a mulher que valorize as tais qualidades e que, além disso, tenha química com ele.
Encontrará?
Não sabe. Por enquanto anda muito às voltas com as interrogações em torno de uma simples palavra: química.

A menina na torre


Era como no conto de fadas. A alegoria do (auto?) confinamento.
Ela também tinha no nome o R, mas não era Rapunzel. Não tinha as mesmas longas tranças da conhecida personagem, mas com ela dividia a sensação de viver trancada numa alta torre. Isolada do mundo, acima de tudo. Via tudo e a todos, mas não podia ser igualmente e totalmente vista. Sentia-se como intocável, inalcançável.
Ainda que talvez o fosse por própria escolha, isso a incomodava sobremaneira.
Como não conseguiam enxergá-la de fato, compreendê-la, se tão simples ela se considerava? Porquê será que nenhum príncipe (encantado ou não) ainda não tinha se dignado de fato a ir resgatá-la? Não valeria ela um esforço sequer, afinal?
Das vezes que aparecia na janela podia ser vista, radiante como estrela. Elogios então ouvia vindos ao sopro do vento. "A mais bela"... "A mais encantadora"... "A mulher dos sonhos"... Mas nenhum deles vinha revestido de atitude prática ou de alguma menção corajosa de tirá-la daquele isolamento.
Do alto da torre ela refletia. Mas será que esse príncipe existiria?
Dias e noites de sucediam. A lua de fase a fase seguia: nova, crescente, cheia, minguante, nova... E nada daquela espera findar.
Por fim ela própria entendeu que não bastaria apenas esperar. Era preciso ela própria agir. Se descalçou de seus sapatos de cristal, se despiu de seu vestido de princesa. Arrombou a porta da torre. Colocou o pé no primeiro degrau da escadaria. Era preciso descer. E desceu.
O mundo lá embaixo era diferente do visto de cima. As pessoas eram muito mais humanas, sujeitas ao erro e imperfeitas. Mas pelo menos não eram idealizadas. Eram reais. Eram tocáveis e podiam tocá-la.
Belos príncipes apareceram diante de si lhe oferecendo as mais lindas coisas, os mais ricos presentes. Encantavam-se com seu rosto luminoso. Queriam-na. Ela seria a sua posse. Mas isso à princesa não bastava. Ela queria ser ouvida. Compreendida. Desvendada. Mas a ninguem isso interessava.
Não que ela fosse assim tão exigente, mas para ela não bastava apenas a sensação da pele, é preciso o toque da alma.
Desconsolada, a menina saiu pela estrada. Em uma curva do caminho ela encontrou um viajante a falar ao léu. Seria louco? Parecia e não.
Era dali mesmo, mas parecia vir de longe. Contou histórias de outras paragens, de outros mundos, de outras vidas por tantos vividas. Encantou-a pelo modo de falar.
Mas não foi somente assim.
Mais do que isso, o viajante se interessou pelo que ela tinha a contar. Alimentou-se do que ela tinha a dizer. Compreendeu suas aflições, seus temores e suas frustrações.
O quase estranho desvendou-a como poucos o tinham feito até então. E era ele tão simples e comum.
Ele conseguiu enxergá-la em sua essência. Viu-a além dos olhos comuns.
E a menina ficou confusa desde então.
Permitiria-se dar mais um passo naquele caminho?
Ou sentir-se tão desvendada acabaria sendo-lhe um risco demasiado?
A menina ficou sem reação.
Será que teria de voltar mais uma vez à torre e fechá-la em torno de si?
Enquanto a resposta não lhe vinha, ela se deixou ficar observando o horizonte lânguido do entardecer.

P.S. Dias depois e a dúvida ainda continua a lhe esvoaçar os sentidos.

(Original de 4 de junho de 2012)

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Crônica de uma morte anunciada



Em certo sentido, mulher, você ainda está por aí.
Não é sempre, mas as impressões são traiçoeiras.
Ecoam passos. A voz melodiosa sussurra pelo vazio da casa. O mesmo cheiro doce vez ou outra parece aparecer no ar. E a melodia de alguma música que nos marcou traz algum lampejo do que já fomos: o meu eu em você e o seu eu em mim.
Mas são apenas aquelas lembranças mais teimosas que me traem quando menos espero.
Sua presença física já se foi, há muito.
Não há mais rastros meus ou seus no caminho.
Já se sucederam incontáveis minutos, horas, dias, semanas e meses (talvez anos?) desde que nos distanciamos sem sequer justificar ou traduzir o real significado da palavra adeus.
Nem eu o fiz.
Nem você, tampouco.
Nada mais de fotos sorridentes ou pensativas, fios longos de cabelo espalhados e quaisquer objetos que remetam a você.
O tempo vai se encarregando de apagar os vestígios e atenuar os traços do desenho um dia riscado nas páginas da minha vida.
Foi assim com uma, com outra e com você mesma.
Tudo se foi.
Tudo passou.
As folhas foram caindo da árvore e acabaram sendo substituídas por outras folhas. Novas.
Antes as lembranças eram mais frequentes. Vinham minuto a minuto, dia a dia e agora não têm mais regularidade. Deixaram de ser crônicas.
E, pior ainda, suas lembranças passaram a se misturar com outras lembranças mais antigas e mais novas.
Assim, hoje, quando ouço passos ecoarem, vozes sussurrarem, odores acariciarem o meu nariz e músicas tocarem, não sei mais se são seus passos, sua voz, seu cheiro e nossas músicas.
Pode ser, na verdade, minha memória me traindo e me fazendo atribuir a você o que não era seu.
E assim, afinal, terá existido você de fato?
Terá sido real ou ilusão virtual?

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O encontro

A confrontação descarnada com a realidade nem sempre ocorre sem impressões desmentidas, verdades imaginadas atiradas ao solo como frágeis paredes de castelos de areia no abraço da onda. Certezas outrora tão certas podem se vestir em longos mantos de interrogações plenas. A pessoa que demonstrava ser, pode se revelar mero personagem de frágil ficção, arremedo de si mesma ou de uma terceira figura, talvez inventada, imaginária. Todavia, eis que assim dessa vez não foi. Ela estava bem ali do lado como representação fiel daquilo que demonstrava ser e da impressão que passava. Movia-se com graça, parecia ter os movimentos calculados como num balé marcado com antecedência. Mas, incrivelmente, era natural. Falava, sorria candidamente e seu olhar, sem medo de ser tímido, de vez em quando brilhava. Era a cópia perfeita de si mesma (aquela do mundo virtual) e saltava aos olhos com os mesmos traços com os quais, inesperadamente, visitava os sonhos dele. Por mais que saiba interpretar, ela ali não interpretava e se fosse personagem, seria personagem representando ela própria. A sua presença traduzia-se, se preciso fosse, como metalinguagem. Ela era ela mesma representando para ele a sua própria história. Era aquela mesma que escrevia e que se descrevia. A mesma que se abria sem medos, se desnudava através das letras e que, justamente por assim ser, mais misteriosa se tornava. Linhas, nada tortas, e entrelinhas, expostas. Ele piscava, desviava o olhar e, disfarçadamente, se beliscava para saber se aquele novamente não seria um sonho. Dessa vez não foi. Era a realidade mais interessante ainda do que as coisas virtuais. E, justamente por tão interessante ser, as horas se passaram como se frações de segundos fossem. A tarde caiu com um cheiro tênue de terra molhada. O sol foi embora clarear terras cada vez mais a oeste. "Precisamos ir", a voz dela decretou parte da quebra de um encanto. Quando ela partiu, graciosamente deixou atrás de si um rastro de sensações. Simples, suave, agradável e ímpar como uma noite de lua cheia em junho... Lua, aliás, que naquele mesmo instante começava a dar o seu tom no horizonte à leste. Por um novo instante a imagem daquele rosto perpassou sua lembrança. E um arrepio bom arranhou o seu estômago exatamente quando ele refletia sobre superfícies rasas e mergulhos profundos. "Ah, se me fosse permitido mergulhar..." Ele sorriu, respirou longamente e seguiu adiante enquanto o luar acariava o seu rosto. Eis que assim foi.