quinta-feira, 26 de setembro de 2013

Confabulações do além


Os fantasmas emergiram todos de uma só vez da penumbra e se reuniram na sala do casarão.
Resolveram abandonar o status de sepultados ao qual tinham sido relegados.
Arrastaram correntes e cadeiras, levantaram poeira, trouxeram consigo vendavais.
Folhas secas e amareladas pelo tempo redemoinharam pelo ar.
Memórias foram remexidas, retiradas de gavetas profundas e expostas nas paredes, nuas e cruas.
E os fantasmas passaram a confabular.
E os fantasmas arrancaram dos bolsos mapas e traçaram limites e territórios próprios.
E os fantasmas discutiram passado e presente.
E os fantasmas tentaram prever o futuro.
E os fantasmas, todos que já se imaginavam exorcizados (em tese), passaram a querer se materializar e interferir (na realidade prática).
A noite fria, seca, escura e de nuvens segue se arrastando desejando demorar a encontrar a alvorada.
E os fantasmas continuam sentados na sala.
Alguma hora terão de se levantar e voltar para o escuro reino do esquecimento.
Algum deles insistirá em continuar a assombrar o casarão?
Não se sabe.
Mas todos eles teimam não apenas em assombrar e sim tornar à vida real.
Enquanto tudo é incerto, deixe que eles pelejem nas suas confabulações.

domingo, 23 de junho de 2013

Uma lembrança e a neblina

Olhar que atrai os olhos. Uma foto surge na tela. 
Olhos que gritam, gargalham e zombam.
Aqueles mesmos que ainda incomodam. Brilho intrigante. Traz arrepios à flor da pele.
A lua plena no céu leva à superfície da memória a recordação dessa mesma luz refletida na pele clara.
Traz a lembrança do olhar que falava independente da boca sussurrar sequer o mais tênue som.
Olhos doces, lânguidos e convidativos.
Nem faz tanto tempo, mas parece que já há uma vida inteira separando ela dele.
E mesmo assim a presença não deixava de permanecer tão perto como se quase pudesse tocá-la.
Paradoxos.
Uma saudade inexplicável torna-se praticamente palpável. Senta-se ao seu lado. Inevitável.
E ele se lembra dos olhos.
Os olhos que foram tantas vezes de mel.
Olhos que encantaram. Embriagaram.
O mesmo olhar que acabou se tornando gelo.
Gelo que ainda não derreteu.
Pelo menos ele não viu esse gelo derreter.
Ainda não chegou o momento.
Chegará?
Com um suspiro fundo ele vê a saudade se levantar, abrir a porta e sair...
Nem foi preciso dizer adeus.
Neblina que se dispersa.
E ele segue só.
Mas, nem por isso, pior.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Mensagens ocultas



E a vida (mais virtual do que real) seguia em aparições e desaparecimentos.
Buscas e fugas. Estas, inconscientes. Aquelas, conscientes.
Questões de reciprocidade.
Questões de entendimento.
E ele a entendia.
Sabiam disso, os dois.
E ele nem precisaria tê-la enxergado para a amar.
Só de senti-la, em essência, já seria mais do que suficiente.
Aquilo era alimento muito além dos limites e limitações do corpo. Satisfação na medida certa.
Ele a entendia. Entendia tão bem.
E também a sentia da mesma forma. Sentia-a na essência.
E era essa quintessência o que mais fascinava.
Era etéreo aquilo que ia bem além das linhas, das formas, dos contornos, das curvas.
Não que aqueles olhos brilhantes e aquele sorriso ora enigmático e ora tão aberto não fizessem jus ao interior. Faziam. E muito.
Mas eram apenas joias, adornos.
O mais importante estava muito além.
E não era qualquer um que conseguia notar aquele detalhe que, muito além de um detalhe, significava o verdadeiro sentido dela.
Ele enxergava além da superfície. Não se perdia apenas na imensa beleza, que ainda assim era rasa. Ele via bem mais profundamente. Encantava-se pelo conteúdo.
E isso, inexplicavelmente, os unia.
Seres que se reconheciam mesmo à distância.
Longe-perto vivendo e vivenciando um paradoxo.
E assim as coisas seguiram adiante por seguir.
Um dia, coisas essas, fariam sentido e eles as entenderiam como se entendiam entre si.
E a vida seguiu.
Em aparições...
E desaparecimentos...
Buscas e...
Fugas.