sexta-feira, 5 de fevereiro de 2010

Amanhecer



Tem vezes que a noite se torna dia. Simples assim. Como num abrir de olhos. É a escuridão que se faz luz. E algo fica a incomodar, como uma necessidade parada num canto do quarto pronta para lhe assaltar. Indefinida de início, ela não demora para se revelar: preciso escrever.

E assim o faço.

Não sei do fim da estrada. Mas preciso dar valor no caminho percorrido.

A essa altura da vida, quase aos 34 (do primeiro tempo, espero), a gente se pega a fazer avaliações sobre o passado. Ainda que nem tenha chegado à meia idade, passo a me apegar mais ao saudosismo do que a planejar o que virá.

Repasso às linhas o turbilhão do que já houve.

Fui nascido em Goiânia, pela falta de parteira. Mas criado no interior. E lá aprendi a ser gente.

Joguei bola na rua. Brinquei até tarde de pique-esconde. Fugi de casa para nadar em córrego cheio. Nunca me afoguei, mas apanhei pela audácia (não de morrer afogado e sim por me arriscar nas águas turvas). Subi nas laranjeiras, mexeriqueiras e mangueiras da vida. De todas as frutas provei e nelas nunca me saciei, tanto que continuo a provar o gosto de cada uma até hoje.

Discuti com amigos. Briguei com inimigos. Me arrependi em ambos os casos. Mas nem sempre pedi desculpas.

Fugi da escola algumas vezes. Mas as muitas mais vezes que dali não fugi, nem em pensamento, foram muito mais importantes.

Já montei em bezerro e cavalos. Na cabeça de menino era para fazer graça. Mas doía. Cai, levantei, sacodi a poeira e voltei a insistir. Com tanto tombo, aprendi. Fiquem eles lá e eu aqui. Não virei peão de rodeio e também não era essa a minha sina (minha mãe agradeceu).

Já dormi na igreja tentando prestar atenção na pregação do padre. Também na igreja já tive acessos de riso por causa de coisas sem noção. Em aula de catequese já abri caixa de sapatos cheia de cigarras debaixo da mesa e provoquei debandada geral, aos gritos desesperados, de irmãs e das colegas de aula. Fiquei de castigo por isso. Mas acho engraçado até hoje.

Já tive medo de caipora, mula-sem-cabeça e lobisomem. Já perdi o sono por causa de assombração.

Já senti meu sangue gelar na veia ouvindo as histórias assombradas que minha saudosa Vó Ana contava sentada no fogão-de-lenha na velha fazendinha na Gameleira (Varjão), que mais tarde se tornaria um sem-fim de soja (a fazenda, não minha vó).

Já tive medo de morrer por chupar manga depois de beber leite.

Na vida muito mais falei do que ouvi. Preciso aprender a fazer o contrário.

Nunca fumei maconha e nem usei qualquer tipo de droga ilícita.

Já tentei aprender a fumar e a beber, só para dizer que tinha algum vício. Não consegui.

Já cantei moda sertaneja até o romper da alvorada.

Já dancei até furar o solado da bota - e queimei a sola do pé no toco de cigarro por isso.

Já amanheci sentado no meio-fio ou no banco da praça conversando fiado.

Já impressionei meio mundo por conseguir acompanhar bêbados a noite toda sem colocar sequer uma gota de álcool na boca.

Já amei. Já fui amado.

Já sofri. Já fiz sofrer.

Já traí. Já fui traído.

Já cometi muitos pecados. Já perdoei e já fui perdoado.

Por todos os erros já praticados, me arrependo até hoje.

O sono de repente me bate bem no meio da testa. Um soco direto na consciência.

Não releio o que escrevi, afinal não faria sentido agora.

Simplesmente deixarei aqui, inacabado.

Como inacabada é a nossa própria vida.

Do fim?

Desse não sei e nem pretendo.

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