segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Ponto de equilíbrio


Seguia ele estrada afora, na bagagem às costas carregava muitas histórias e muito mais decepções do que sonhos.
Mas isso não chegava a representar peso.
A cabeça ia cada vez mais livre, leve e não se ancorava a portos de pensamentos específicos.
Fugia da realidade de um certo tempo vivido.
Descartava, à beira do caminho, as recordações disso.
Descartes sem opção de reciclagem.
Meros descartes, sementes secas sem força para germinar.
Seguia ele.
Simplesmente seguia.
Mas logo algo mudaria.
Coisas da vida, do acaso, do destino.
Talvez tenha sido em uma curva do caminho ou quem sabe mesmo em uma reta - não é possível determinar, mas o fato é que lhe atravessou o destino uma ninfa.
Ser sem corpo, etéreo, mas isso não quer dizer que fosse um ser sem essência.
Era a essência em si mesma.
Bela no mais profundo âmago do seu ser.
Primeiro lhe atraiu a atenção.
O próximo passo foi despertar o encantamento.
Na sequência capturou, do viajante, o pensamento.
E fez prisioneiro vigiado a corrente curta, a quem só era permitido passear por perto, passar um tempo distante, mas sempre precisando retornar a ela.
O tempo passou lentamente.
Não atropelou.
Nem viajante e nem ninfa se atropelaram.
Deram tempo ao tempo e o tempo agiu.
Ainda que continuassem sendo etéreos um pro outro, algo mais acabaria por ligá-los ao cotidiano de um e outro.
De repente, não mais do que de repente, o destino os aproximou.
Sem mandar aviso, sinal ou dar explicação, o acaso os juntaria quase sem querer.
Numa noite qualquer, perdida entre nuvens cinzas-chumbo que se desmanchavam em água farta sobre o Cerrado, a voz de uma encontrou o ouvido de outro.
Macia, inebriante e sedutora música para os ouvidos, as palavras na medida certa e as respostas esperadas.
Eles se acariciaram ao longe.
Se reconheceram.
Se reconfortaram.
Se aconchegaram.
Minutos passaram tão rápido como breves instantes fugidios.
Quisera os relógios pudessem ser estacionados para perpetuar aqueles momentos.
As nuvens cor de chumbo à frente dele se fizeram coloridas.
As gotas caindo se fizeram brilhantes, tal qual chuva de prata.
O silêncio de um telefone sendo desligado não foi suficiente para afastá-los.
Dormiram com os lábios sorrindo, sem ter como fugir do pensamento um do outro.
Veio o dia seguinte e as lembranças se fizeram ainda mais vivas, presentes.
Pensamentos voam e se abraçam no ar, ao mesmo instante, em todo lugar.
O hábito de se falarem e de se ouvirem os uniu ainda mais.
Houve a expectativa daquele momento para chamar um número e ouvir o alô da voz que acalma e atrai do outro lado.
Por mais uma noite foram um pro outro o ombro, o arrimo, o PONTO DE EQUILÍBRIO.
O dia seguinte foi marcado por lembranças, sensações, arrepios, frios na barriga e desejos.
Desejo de mais voz.
Desejo de presença.
E os dois acabaram se encontrando meio perdidos.
O que seria dali para a frente?
Nenhum dos dois saberia dizer.
Não havia ainda a resposta.
Afinal, como já disse Shakespeare, "há mais mistérios entre o céu e a terra do que sonha a nossa vã filosofia".
Que ambos então aceitem apenas viver e deixar o tempo ver, ver no que vai dar.
Lá pelo meio da tarde uma dúvida o assaltou: outras noites da presença daquela doce voz viriam?
Isso ainda não é possível dizer, pois a noite seguinte ainda não chegou.
Da parte dele a presença dela é cada vez maior.
Ele sonha acordado com sua voz.
Terá um dia a presença física para dela também se recordar?
Só o tempo dirá.



Música incidental: Ponto de Equilíbrio (Hugo Penna).

"As vezes sinto as pernas bambas,
Sinto me faltar o ar,
É ofegante, o coração parece que vai parar,
Minha visão que te procura em meio a tanta gente,
Cada motivo é um motivo pra eu te procurar,
Inseguranças, incertezas, querem me barrar,
E a cada passo é um tropeço eu to indo pra guerra,
É confusão de sentimentos no meu coração,
Eu travo em sua frente,
Sinto gelo em minhas mãos,
E mesmo assim tive coragem e vou te dizer,

Meu ponto de equilíbrio,
O meu comando é você,
É tudo que eu preciso,
A força que me faz viver,
Então devolva de uma vez o que levou de mim.

Meu ponto de equílibrio
O meu comando é você,
É tudo que eu preciso,
A força que me faz viver,
Amor perfeito tem começo, meio e não tem fim."

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