quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Abrigo


Caminhava o viajante. Passos lentos. Um pé de cada vez. Trazia na bagagem, num saco às costas, desânimo, tristeza e desilusão. A principal companheira de viagem era a solidão.
Trazia a testa arranhada e os joelhos calejados por causa de tantos tombos tomados naquela estrada acidentada.
A roupa? Tinha-a esfarrapada e suja das tantas vezes que sacudira a poeira após se levantar.
Seguia lentamente, mas sempre em frente. Ora era castigado pelo sol em brasa. Ora era fustigado pelo vento cortante da madrugada. Ora era machucado pela chuva gelada.
Lá adiante, uma encruzilhada. Num dos caminhos possíveis avistou uma construção e uma mulher à porta. Para lá, rumou. Ao longe, mulher de cabelos pretos e blusa branca. De perto, olhos de Capitu, sorriso brincando no canto dos lábios e mãos bem-feitas.
Com ela, falou.
"Cansado por demais estou. Abrigo, dar-me-ia?", indagou.
Dela, a voz? Música para os ouvidos. Mas vibrou, cheia de avisos.
"Dar-te-ei. Todavia, até quando não sei. A casa, minha apenas é. E tão somente como abrigo temporário lhe servirá"
Opção outra para ele havia? Até que sim. Entretanto, encantado como estava, a voz como da sereia o canto, soou.
Ali ficou.
Trocou a roupa, curou os arranhões e vestiu nova face.
Ali não houve sol que o castigasse, vento que o fustigasse ou chuva que o machucasse.
Abrigou-se. Chegou por fim a esquecer da bagagem que atirara a um canto qualquer do pátio.
O tempo voou. Preferiria ele que parado houvesse.
Mas, maldita, a ampulheta nunca dá trégua.
De repente, não mais do que de repente, o viajante às pressas foi acordado.
Sacudia-o a mulher. De um sonho, o arrancou.
Olhos frios e duros, qual mar sem ressaca, e lábios sem sorriso, nas belas mãos trazia ela a trouxa.
"Toma. Suas coisas, pega. Parte. Chegaste sua hora. Vá embora!"
Surpreendido como foi não teve tempo para perguntar. Mas, adiantar não iria. Resposta qualquer teria.
Sacola de novo às costas, com sua bagagem eventual, viajante no caminho o pé botou.
Seu rumo tomou.
Sem abrigo de novo ficou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário