quinta-feira, 21 de junho de 2012

A menina na torre


Era como no conto de fadas. A alegoria do (auto?) confinamento.
Ela também tinha no nome o R, mas não era Rapunzel. Não tinha as mesmas longas tranças da conhecida personagem, mas com ela dividia a sensação de viver trancada numa alta torre. Isolada do mundo, acima de tudo. Via tudo e a todos, mas não podia ser igualmente e totalmente vista. Sentia-se como intocável, inalcançável.
Ainda que talvez o fosse por própria escolha, isso a incomodava sobremaneira.
Como não conseguiam enxergá-la de fato, compreendê-la, se tão simples ela se considerava? Porquê será que nenhum príncipe (encantado ou não) ainda não tinha se dignado de fato a ir resgatá-la? Não valeria ela um esforço sequer, afinal?
Das vezes que aparecia na janela podia ser vista, radiante como estrela. Elogios então ouvia vindos ao sopro do vento. "A mais bela"... "A mais encantadora"... "A mulher dos sonhos"... Mas nenhum deles vinha revestido de atitude prática ou de alguma menção corajosa de tirá-la daquele isolamento.
Do alto da torre ela refletia. Mas será que esse príncipe existiria?
Dias e noites de sucediam. A lua de fase a fase seguia: nova, crescente, cheia, minguante, nova... E nada daquela espera findar.
Por fim ela própria entendeu que não bastaria apenas esperar. Era preciso ela própria agir. Se descalçou de seus sapatos de cristal, se despiu de seu vestido de princesa. Arrombou a porta da torre. Colocou o pé no primeiro degrau da escadaria. Era preciso descer. E desceu.
O mundo lá embaixo era diferente do visto de cima. As pessoas eram muito mais humanas, sujeitas ao erro e imperfeitas. Mas pelo menos não eram idealizadas. Eram reais. Eram tocáveis e podiam tocá-la.
Belos príncipes apareceram diante de si lhe oferecendo as mais lindas coisas, os mais ricos presentes. Encantavam-se com seu rosto luminoso. Queriam-na. Ela seria a sua posse. Mas isso à princesa não bastava. Ela queria ser ouvida. Compreendida. Desvendada. Mas a ninguem isso interessava.
Não que ela fosse assim tão exigente, mas para ela não bastava apenas a sensação da pele, é preciso o toque da alma.
Desconsolada, a menina saiu pela estrada. Em uma curva do caminho ela encontrou um viajante a falar ao léu. Seria louco? Parecia e não.
Era dali mesmo, mas parecia vir de longe. Contou histórias de outras paragens, de outros mundos, de outras vidas por tantos vividas. Encantou-a pelo modo de falar.
Mas não foi somente assim.
Mais do que isso, o viajante se interessou pelo que ela tinha a contar. Alimentou-se do que ela tinha a dizer. Compreendeu suas aflições, seus temores e suas frustrações.
O quase estranho desvendou-a como poucos o tinham feito até então. E era ele tão simples e comum.
Ele conseguiu enxergá-la em sua essência. Viu-a além dos olhos comuns.
E a menina ficou confusa desde então.
Permitiria-se dar mais um passo naquele caminho?
Ou sentir-se tão desvendada acabaria sendo-lhe um risco demasiado?
A menina ficou sem reação.
Será que teria de voltar mais uma vez à torre e fechá-la em torno de si?
Enquanto a resposta não lhe vinha, ela se deixou ficar observando o horizonte lânguido do entardecer.

P.S. Dias depois e a dúvida ainda continua a lhe esvoaçar os sentidos.

(Original de 4 de junho de 2012)

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